O Holocausto Iraniano, uma história pouco conhecida.






Como descreve o professor Guido Alfani, a carestia ou as  fomes diferem muito em tamanho, duração e contexto; em muitos casos, os danos causados ​​pelas más colheitas podem ser  agravados pela guerra por exemplo. Os papéis da ação humana, o mau funcionamento dos mercados e a assistência aos pobres são um tema recorrente.  A fome é um acontecimento extremamente complexo, a  sua ocorrência e características são moldadas por uma ampla gama de fatores, ( nem tudo segue uma lógica de sistemas). Como consequência, em muitos casos o mesmo evento pode ser entendido de maneiras profundamente diferentes, e sabemos da existencia de controvérsia. Existem aqueles que vêem a fome como resultado da “natureza” (uma deficiência na produção) e aqueles que tendem a identificar as suas raízes na ação humana e nas mudanças no poder de compra devido à distribuição ineficiente (direitos). 

Não só a fome foi capaz de causar agitação política, tanto a nível nacional como local; afirma-se também que motivações políticas estão por detrás de certas fomes. Uma das grandes fomes conhecidas "Grande Fome Irlandesa de 1845-50" ainda é por vezes vista como o produto de uma política deliberada por parte dos políticos em Londres, tal como uma volumosa literatura apresentou as fomes que assolaram a Ucrânia em 1931-33, a China e a India como deliberadas. No caso da Irlanda, esta visão já foi influente na retórica nacionalista, mas o veredito dos estudos modernos é muito mais matizado. 

Contudo, isto não significa que as autoridades fossem inocentes ou que nada pudessem ter feito para reduzir a terrível mortalidade daqueles anos, ( os ingleses não proibiram as exportações) durante o periodo de má colheita e doenças alimentar.  No caso da Ucrânia, a literatura mais recente moderou esta interpretação, sugerindo, em vez disso, que embora Stalin e o governo soviético tenham de modo efetivo tomado decisões que exacerbaram as consequências de más colheitas causadas por condições meteorológicas adversas, por exemplo, insistindo nas aquisições pela força atraves da planificação, esse não foi o unico fator.

Um relato impressionante sobre um caso relativo a fomes, é de um historiador e agronomo iraniano chamado Mohammad Gholi Majd, em suas vastas obras, ele descreve uma das maiores fomes em larga escala no oriente medio, inciada no seculo xix e tendo terminado nos finais da segunda guerra mundial. Esse relato mostra que os iranianos sofreram baixas pesadas  por fome. Segundo ele,  só a primeira dessas fomes que foi a Grande Fome de 1869-1873 no Irã ceifou entre 10 e 12 milhões de vidas, ou dois terços da população. Embora as fomes que devastaram a China e a Índia entre 1876 e 1902 tenham recebido algum escrutínio recente, o precursor destas fomes cataclísmicas, a Grande Fome de 1869-1873 no Irã, permaneceu praticamente desconhecido. Esta fome no Irã matou numa escala semelhante à fome de 1876-79 na China, que foi considerada a pior a afligir a espécie humana. Com inúmeros dados diplomáticos britânicos e fontes semi-oficiais, relatos de viagens europeias, documentos e escritos persas, jornais britânicos e americanos e relatórios de missionários americanos que testemunharam a fome, ele constroi toda sua narrativa. Estas fontes, por sua vez,  permitem fornecer um relato cronológico e numérico da morte e do sofrimento à medida que a fome se espalhava das regiões sul e centro para o resto do país. 

As estatísticas populacionais e os ricos dados a nível micro sobre as perdas causadas pela fome nas zonas rurais e urbanas indicam que durante os quase cinco anos de fome, dois terços da população pereceram. Quando no ano de 1910 é que o Irã esteve perto de recuperar a sua população de 1869. Pouco depois, o Irã mergulhou numa segunda onda, a Grande Fome de 1917-19, que custou mais 8 milhões de pessoas, e novamente na fome e na epidemia de tifo de 1942-43, que ceifou mais 4 milhões de pessoas. Portanto, num  período de setenta e cinco anos, entre 1869 até 1944, o Irã sofreu três fomes que ceifaram pelo menos 20 milhões de vidas, como aponta nosso pesquisador. Já nos anos 40, precisamente em 1944, população do Irã, de 10 a 12 milhões, manteve-se inalterada em relação aos 11 milhões registados em 1841, um caso perfeito de uma catástrofe ala "malthusiana." Tendo previamente descrito e quantificado as fomes de 1917-19 e 1942-43, Majd faz o mesmo para a fome de 1869-73.

Mas, o que causou essa carestia? como ele demonstrou, no seu livro "Iran Under Allied Occupation in World War II: The Bridge to Victory & a Land of Famine" o Irã ocupado na Segunda Guerra Mundial tornou-se a rota de abastecimento mais importante para a Rússia e fonte de combustível para os Aliados. Tendo-se comprometido a satisfazer as “necessidades mínimas” do Irã, os Aliados confiscaram os meios de transporte, confiscaram alimentos e combustível, restringiram severamente as importações, forçaram o Irã a imprimir dinheiro, trouxeram refugiados polacos da Rússia e inicialmente fizeram pouco para conter o caos e a insegurança. A resultante epidemia de fome e tifo de 1942-43 que ceifou 4 milhões de vidas, o que representou um quarto da população. Isto foi um acréscimo aos 8 a 10 milhões perdidos na Grande Fome de 1917-19, causadas pela politica inglesa. A população do Irã em 1944 era a mesma de 1900, um caso perfeito de catástrofe malthusiana.


Bibliografia;


Iran Under Allied Occupation in World War II: The Bridge to Victory & a Land of Famine.

Victorian Holocaust: Iran in the Great Famine of 1869-1873.

Mohammad Gholi Majd. The Great Famine & Genocide in Iran1917-1919.

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