Edson Carneiro , e a " ideologia quilombista"





No âmbito antropológico, histórico não a ninguém melhor que Edison Carneiro para nos proporcionar um entendimento mais adequado do que fora os Quilombos no Brasil, Edison foi sem dúvida um pesquisador genial, com olhar técnico e pragmático, soube extrair exegeses e informações importantes no que tange a vida do negro no Brasil e claro, a vida nos Quilombos.

Pois bem, o que pretendo aqui é demonstrar como um pesquisador sério pode trazer uma série de objeções as fictícias elucubrações ideológicas da turma que acredita enxergar a história através de  maniqueísmos toscos, e sem ao menos refletir as milhares de circunstâncias que a própria história pode nos proporcionar. 

Como Carneiro explica, os quilombos, foram - para usar a expressão etnologica muito utilizada, um fenômeno contra-aculturativo, de rebeldia contra os padrões de vida impostos pela sociedade formal, estabelecida e de restauração dos valores amigos. Carneiro deixa claro que dentro dos quilombolas existiam uma certa reciprocidade social, uma certa paz, uma espécie de fraternidade
racial. Havia, ainda nos quilombos, uma população heterogênea, de que
participavam em maioria os negros, mas que contava também mulatos e índios. 
Segundo ele, Alguns mocambos dos Palmares, como o do Engana-Colomím, eram constituídos por indígenas, que pegaram em armas
contra as formações dos brancos, até.
Segundo relatos, um alfere conhecido como Francisco Pedro de Melo
encontrou, na Carlota uma região povoada de Quilombos,  apenas 6 negros entre as 54 presas que ali fez, pois os 27 eram índios e índias e 21 eram caborés, mestiços de negros
com as índias cabixis das vizinhanças, isso deixa claro que não existia uma unidade homogênea de africanos, muito pelo contrário, a política de mestiçagem era fortíssima. 

Além disso, os negros chegaram a estabelecer comércio regular com os brancos das vilas
próximas, trocando produtos agrícolas por artigos manufaturados. O quilombo foi, desse modo, um acontecimento singular na história
nacional, seja qual for o ângulo da qual o encaremos. Por exemplo, como forma de luta contra a escravidão, como estabelecimento humano, como organização social, como reafirmação dos valores das culturas afri-
canas, sob todos estes aspectos o quilombo revela-se como um fato novo, único, peculiar em uma espécie de síntese dialética.
Como fica claro, Carneiro não nega o fato de ser um Movimento contra o estilo de vida que os europeus ( aqui portugueses, holandeses) etc..  lhe queriam impor, o quilombo mantinha a sua independência à custa das lavouras que os ex-escravos haviam aprendido com os seus senhores e a defendia, quando necessário, com as armas de fogo dos brancos e os arcos e flechas dos índios.

Ainda que de modo geral contra a sociedade que oprimira os seus componentes, o quilombo aceitava muito dessa sociedade,  e foi, sem dúvida , um passo importante para a nacionalização da massa escrava. 
Contudo, do ponto de vista aqui considerado, se , por um lado, os negros tiveram de adaptar-se às novas condições ambientes, por outro lado o quilombo constituiu, precisamente, uma lição de aproveitamento da terra, tanto pela pequena propriedade como pela policultura, ambas desconhecidas na vigente dominante oficial. 

Não foi esta, entretanto, a sua única utilidade. O movimento de fuga como explica Carneiro contribuiu para abrandar o "rigor do cativeiro", porém,  o quilombo principalmente serviu ao desbravamento das florestas além da zona de penetração dos brancos e à descoberta de novas fontes de riqueza. Entretanto, e de modo inconsciente, mas na Carlota a mando dos brancos, tiveram os aquilombados a missão de trazer para a sociedade brasileira os naturais do pais, como sentinelas perdidas da colonização do interior.

Como fica claro em uma passagem de quilombo dos Palmares, Edison Carneiro diz:


"Os escravos que, por sua própria indústria e valor, conseguiam chegar aos Palmares, eram considerados li-vres, mas os escravos raptados ou trazidos à fôrça das vilas vizinhas continuavam escravos. Entretanto, tinham uma oportunidade de alcançar a alforria: bastava-lhes levar, para os mocambos dos Palmares, algum negro cativo. 
Se algum escravo fugia dos Palmares, eram envia-dos negros no seu encalço e, se capturado, era executado pela "severa justiça" do quilombo. Os holandeses diziam (1645) que "entre êles reinava o temor, principalmente nos negros de Angola .. " Os negros tinham uma religião mais ou menos seme-lhante à católica, o que se explica pela pobreza mítica dos povos de língua bântu a que pertenciam e pelo tra-balho de aculturação no novo habitat americano. No mocambo do Macaco, possuíam urna capela onde os por-tuguêses encontraram três imagens, uma do Menino-J esus, "muito perfeita", outra da Senhora da Conceição, outra de São Brás. Esta casa de oração já tinha sido visitada pela expedição Blaer-Reijmbach (1645). Os palmarinos escolhiam "um dos mais ladinos" para lhes servir de sacerdote, especialmente para as cerimônias do batismo e do casamento, mas provàvelmente também para pedir o favor celeste para as suas armas."


Sobre questões relacionados aos costumes religiosos, Carneiro diz:

"Não se conhecem detalhes do batismo, mas, no casamento, os palmarinos seguiam a simples lei da natureza. "O seu apetite é a regra da sua eleição -dizia um documento da época. - Cada um tem as mu-lheres que quer". O rei G anga-Zumba dava o exemplo, atendendo a três mulheres, duas negras e uma mulata."



Sobre a estratificação social do quilombo, Carneiro expõe que O rei Ganga-Zumba morava no mocambo do Ma-caco, nas faldas da Serra do Barriga, onde os homens do capitão Blaer encontraram a sua "grande" Casa do Con-selho.  Existia ainda uma espécie de assembléia de chefes que faziam parte da aristocracia dominante, o Gana-Zona, irmão do rei, chefe do mocambo de Subupira, a "segunda cidade" dos Palmares; o negro Amaro, chefe do mocambo conhecido como Cêrca do Amaro; Acotirene e Osenga, chefes dos mo-cambos dos mesmos nomes; Andalaqmtuche e Zumbi, sobrinhos do rei.


O rei era filho de Aqualtune e vivia com três mu-lheres, duas negras, uma mulata. As duas primeiras eram estéreis, mas da mulata teve muitos filhos quatro ou cinco, pelo que se sabe. Tinha dez netos. Um dos seus filhos, Toculo, tombou em combate, em 1677; dois ou-tros - Zambi e Acaiene -foram presos por Fernão Carrilho nessa mesma ocasião; em 1678, outro filho do rei chefiava a embaixada de paz junto ao governador, à frente de mais 12 negros, provavelmente subordinados. 
O comandante em chefe dos negros palmarinos era o Ganga-Muíça, Mestre de Campo general da gente de Angola, e a defesa local do mocambo do Macaco, ao rei estava entregue ao negro Gaspar, "capitão da guarda". 

Esses dois chefes também foram capturados por Fernão Carrilho em 1677. Zumbi era o "general das armas" do quilombo.
Segundo Carneiro,  Zumbi seria casado com uma branca, dona Maria, filha de um senhor de engenho de Pôrto Calvo. 
Esta mulher branca ao que indica tenha sido raptada por Zumbi, mas sabe-se, por outro lado, que certa família de brancos se extraviou nas matas alagoanas e caiu nas mãos dos palmarinos, não sendo difícil que a companheira do Zumbi pertencesse a essa família. Contudo, a  espôsa branca do chefe do quilombo pertence à tradição, talvez até mesmo do Folclore popular da época, mas e que entretanto, encontra-se refôrço na existência de uma rainha branca no folguedo popular do quilombo, que faz parte do folclore de Alagoas.


O que posso considerar é que, o Kilombo apesar de suas especificações, pode ainda sim ser remetido ou analogado as formas de organização social advindas da própria África centro ocidental, como é o caso dos reinos do Ndongo, depois tornará-se Angola devido claro ao povo do Kikongo, Ovibumdo, Inbangala, bengela, negros que formaram os Mocambos e Kilombos aqui advirem dessas regiões. Então, segundo estudos historiograficos, a  distribuição de recursos em Ndongo influía em sua estrutura política. Esta dividia-se em dezessete províncias que incorporavam 736 divisões territoriais chamadas murindas . Nessas províncias, em especial as quatro que ficavam entre a costa e a capital em Kabasa, a densidade populacional era maior, sendo dessa forma mais murinda . O ngola chefe supremo do reino,  tinha controle administrativo e fiscal mais direto sobre essas quatro províncias. 

 Em Kabasa, a cerca de 250 quilômetros da costa, era a residência oficial do ngola , que vivia ali com suas esposas, filhos e parentes ligados por descendência e casamento. Contudo, a primeira delegação portuguesa que visitou a capital, em 1560, relatou que o rei da época tinha mais de setenta filhos e até quatrocentas esposas e concubinas. A esposa principal dirigia a família e fazia com que os escravos, servos e pessoas livres que viviam dentro dos muros da casa levassem as mercadorias que produziam à feira diária e comprassem os suprimentos necessários para os membros da família.

Vários funcionários mais importantes eram o tendala , o principal assessor do ngola , que ficava no comando quando o ngola estava longe da capital, e o chefe dos militares. Além deles, os principais homens de Ndongo, chamados de macotas,  relacionados aos chefes das dezessete províncias —, também moravam na capital ou nela mantinham residências oficiais. Desse grupo faziam parte o mwene lumbo , que administrava a casa do ngola , o mwene kudya , encarregado de tributos e impostos, e o mwene misete , que mantinha os relicários dos governantes passados. O mwene misete era o mais importante administrador de rituais em Ndongo e supervisionava um grande número de sacerdotes que desempenhavam as funções rituais essenciais que os ambundos acreditavam ser necessárias para a proteção do ngola e do próprio Ndongo.  A sociedade era extremamente estratificada, existiam  três categorias legais diferentes grupos sociais. No caso, os indivíduos livres, os servos (kijikos ) e escravos (mubikas ), geralmente esses escravos poderiam ser de guerra, ou seja espólios, e para deportação, ou escravos domésticos, surgidos através do penhor. Já  As pessoas livres eram a maioria da população e formavam o campesinato, tal situação não estava distante da realidade brasileira não, pelo contrário as semelhanças são evidentes.

Como fica claro, e nos explica Edison Carneiro, o   Palmares histórico apresentava estratificação social interna e uma elite dirigente nitidamente definida. O Palmares edênico, criado como símbolo de luta e simples "resistência" passiva por alguns intelectuais negristas recentes era o lugar da liberdade, porém, cercado pelo oceano da escravidão..

O Palmares histórico apesar de ser um elemento dissonante, contudo estava integrado ao sistema "mercantil-escravagista", pra elucidar mais ainda, Carneiro diz que nos quilombos da serra da Barriga, negros e índios capturados pelos rebeldes trabalhavam em regime de escravidão, esses índios inclusive já foram citados por mim. 


Portanto, as lideranças negras erguiam uma visão histórica alternativa, que remete a Palmares e sustenta uma metáfora racial.  Um exemplo disso, é o  discurso do intelectual negrista, capitaneado na figura de Abdias Nascimento que definiu Zumbi como "herói da luta de libertação no Brasil" e os quilombos de Palmares como:

"a primeira e única experiência de verdadeira liberdade, harmonia racial e igualitarismo na história do Brasil". 

Tal operação simbólica de substituição de uma metáfora pela própria história, compactua com uma  adesão das lideranças negras à ideia do separatismo racial, ou até mesmo de individualidade racial, segregacionista e isolacionista do negro brasileiro, ou seja, o Brasil antes de  ser visto como uma nação única, torna-se  apenas o nome de uma entidade política na qual coabitam um birracialismo ou um maniqueísmo racial, onde existem apenas  as raças branca e negra. 

Referências;

Edson Carneiro, ladinos e Crioulos estudo sobre os negros no Brasil.

Edson Carneiro, O Quilombo dos Palmares.

Demétrio Magnoli, uma gota de sangue.

Nzinga Mbandi; mulher negra, guerra, e escravidão by Selma Pantoja.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Nacionalismo Indiano.

O Estopim do movimento Fascista, a socialização economica e política, Ugo Spirito e Sérgio Panunzio.

Educação e o desenvolvimento industrial andam juntos, como o grande Gustavo Capanema buscou essa síntese.